Melhor definição do Rio

Caminhando ao longo da praia esta manhã, vi não apenas pessoas que faziam sua corrida diária fantasiadas, como também flagrei grupos inteiros de academias na areia se exercitando caracterizados. Sobre uma fileira de colchonetes um presidiário fazia abdominais ao lado de um bobo da corte, seguido de uma bailarina e de uma odalisca. E tudo isso sob um sol de ofuscar os olhos e um calor daqueles já por volta de oito da manhã.

A vida aqui anda difícil, mas que ninguém me tire do Rio de Janeiro!

Criminalidade crescente

Na tarde de ontem, por volta das 17h30, eu saí da sessão de psicanálise e fui pegar um ônibus na Praça do Lido, em Copacabana, como faço toda semana. Só que, desta vez, foi bem mais difícil, porque havia um amontoado de gente pela calçada e pela pista da Avenida Nossa Senhora de Copacabana. Uma viatura da polícia e um ônibus parado atribuíram o significado para o grupo de quatro rapazes que eram mantidos com a cara colada no chão de pedras portuguesas pelos policiais: houve uma tentativa de assalto a coletivo, mais uma, e só.

A cena toda acontecia em frente a uma escola municipal, bem na hora da saída. Ouvi uma mãe dizer, bem alto, para o filho, que devia ter seus 9 anos, pegando o garoto pelo braço e arrastando até ele enxergar direitinho a imagem dos jovens presos: “Olha bem o que acontece com quem não obedece, acaba assim”, repetia ela, na sua pedagogia gauche.

Tive que caminhar para um ponto bem antes da parada, ou estaria esperando o ônibus até agora. O trânsito fluía mal e ficou difícil convencer algum motorista a pegar passageiro usando apenas o braço estendido como argumento, enquanto havia coisa mais interessante para olhar.

Dizer que eu cresci vendo isso seria exagero, porque no Rio da minha infância a violência era um tipo de brinquedo com o qual o poder público preferia brincar sozinho ou, no máximo, escolhendo a dedo seus oponentes. Mas juro que tenho andado meio abismada com aquilo que vejo nas ruas. Pode ser que eu estivesse meio esquecida de como era antes – antes do Beltrame, antes da Dilma, antes de não sei quem. De qualquer forma, eles já não servem mais à causa. E a cada ida à rua vejo mais gente dormindo pelo chão, pedindo dinheiro, roubando, defecando, parece o umbral dos kardecistas. Que Nosso Senhor tenha piedade da gente.

Sonho bom

Minha psicanalista diz que tenho uma grande necessidade de “organizar o mundo” ao meu redor, na tentativa de compensar uma desorganização interna. Ela também gosta bastante quando eu trago memórias de algum sonho da semana. Vamos ver o que ela vai dizer desse aqui.

Sonhei que estava com minha irmã Solange em um lugar esteticamente perfeito e esse lugar era o Rio de Janeiro. Não só tudo ao nosso redor, mas também as pessoas, estavam todas bem vestidas e arrumadas. Fazia sol e nós estávamos nos dirigindo a alguma plataforma para pegar o transporte público. Passávamos por uma lixeira bonita, feita de ripas de madeira, e jogávamos garrafas de plástico vazias fora. Sei que eram de água e, estranhamente, uma era grande e outra pequena, só não lembro qual era de quem.

Em frente ao tal lugar para onde íamos havia um gramado imenso e verdinho. Por toda parte, margeando aquele espaço e a plataforma onde estávamos, se via arbustos e árvores impecavelmente podados e com flores de impressionante cor e beleza, de espécies que eu nunca vi. Conversávamos sobre uma opção de lazer que ficava além do tal gramado: um passeio de barco por um rio que, embora eu no sonho não tenha visto, também conhecia.

Acordei sentindo muita paz e acho que estive com minha irmã em uma colônia espiritual que fica localizada sobre a nossa cidade. Mas vamos ver o que a doutora diz.

Só a cidade fica

Nem é preciso ser historiador para entender uma verdade: passamos nós, passam os governantes, países se reconfiguram, mas só as cidades ficam. Cidades permanecem e, quando muito, mudam de nome, mas sempre tem alguém para lembrar como era antes. Perguntem a Jerusalém.

É esse o pensamento que me consola, quando vejo as manchetes que discutem a situação do Rio de Janeiro, às vésperas da realização dos Jogos Olímpicos de 2016. Amo profundamente essa cidade em que nasci. Sou do tipo que considera que ela seja a mais linda do mundo – e olha que eu já estive em muitos lugares. Vivemos hoje uma grande contradição, entre erros e acertos, entre olhares e abandono, entre avanços e retrocessos, inclusive na configuração física e na mobilidade. Eu olho em volta e lamento alguns defeitos crônicos, eu caminho entre as ruas da minha infância e sinto voltar o aconchego de um ninho.

Que bom que é assim. Que a Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro é bem maior do que nós!

Sumidinha para fotos

Como estou de férias, não é todo dia que escrevo aqui no QS. Mas andei tirando umas fotos e já fiz umas alterações por aqui: agora a foto do cabeçalho é randômica (uau!) e seguem imagens para seu deleite nas próximas postagens, apesar do mau tempo na cidade.

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Essa bonitona é uma vestal que simboliza o verão e está localizada na Praia Vermelha.

Completando a linha pontilhada

A gente que vive no Rio meio que já se acostumou com a coisa. Mas quem vem de fora costuma perguntar o que são esses cartazes colados por tudo quanto é canto, e que já viraram slogans canhestros da cidade. Aliás, eles também têm sua versão oral; quem nunca ouviu o famoso “eu podia estar matando, eu podia estar roubando, mas tô aqui nesse ônibus, vendendo essa balinha”?

Os cartazes aos quais me refiro são, para ser mais honesta, bem poucos, geralmente afixados em fachadas de sobrados suspeitos onde atendem videntes e cartomantes. Porque, no resto dos postes, o que vemos são cópias xerox de um texto que começa, invariavelmente, de duas formas: “Trago a pessoa amada…” ou “Tenha a pessoa amada…”. Os papéis rasgados pela ação do tempo, da chuva ou da ira urbana continuam, para quem não sabe, assim: “Trago a pessoa amada em três dias” e “Tenha a pessoa amada a seus pés”. Altamente inspirador.

Eu sou uma criatura mística, dessas que adora encomendar a revolução solar por época do aniversário, mas não chego a ser tonta a ponto de não conseguir diferenciar, minimamente, uma falcatrua. Por isso mesmo, imaginei um texto gaiato para completar ambas as frases, que eu usaria, de verdade, se fosse algum tipo de médium.

Trago a pessoa amada em três dias, mas não posso garantir que, antes do fim da semana, você não vai estar querendo se livrar dela – você que sabe!

Tenha a pessoa amada aos seus pés, mas depois não venha se queixar de que ela está lhe sufocando, porque eu não tenho antídoto para reverter essa joça.

Será que, com tanta sinceridade, ainda iria aparecer algum cliente????

Tempo e lugar

Só agora me dei conta: acredito que o Rio de Janeiro seja a única cidade, no mundo, cujo nome é uma referência a um tempo e lugar. Apenas dois anos após o descobrimento, uma expedição exploratória comandada por Gaspar de Lemos e por Américo Vespúcio confundiu a entrada da Baía de Guanabara com o estuário de um rio. Como era dia 1º de janeiro de 1502, batizaram a localidade com ambas as coordenadas. Os caras não tinham ideia, mas foram muito bons de marketing. E nós não temos ideia, mas acabamos comemorando, na mesma data, todos os anos, uma das maiores festas de Ano Novo do planeta, como se celebrássemos o batismo da cidade, que só viria a ser fundada dali a 63 anos.

O melhor ônibus da cidade

Faz poucas semanas que o vi pela primeira vez. Os veículos são novos e os motoristas ainda não rodaram o suficiente para ficarem lelé da cuca. Dirigem, portanto, devagar e prudentemente. Há lugares vagos de montão, o que deixa todos os (poucos) passageiros calminhos nos seus assentos.

Parece que estou descrevendo algum ônibus da Escandinávia mas, na verdade, estou falando do 131 – Praça XV – Gávea. Acredito que a linha surgiu para cooperar com os pedestres em meio à barafunda que se tornaram as obras do Porto Maravilha.

Mas essa qualidade toda só está se mantendo, no meu entender, porque a maioria dos passageiros desconhece o trajeto. Não tem um que não pergunte ao motorista, antes de entrar, algo desconfiado, por onde ele vai passar. Assim que descobrirem o que estão perdendo, vão todos correr pra ele e, aí, acabou a mamata…

Mesmo sendo verão e não tendo ar-refrigerado, vou aproveitar enquanto posso, para ir e vir do trabalho.

Surpresa boa

Como à noite continuava muito quente, depois da consulta que deu alta ao tratamento da coceiragem do Bô, fomos Jorge, ele e eu até a Praia Vermelha, tentar nos refrescar com um pouco de aragem. Realmente, a temperatura estava bem mais tolerável e Bô curtiu farejar novos ares, ainda mais depois de tomar um chá de cadeira esperando a vez dele. Mas o que nos alegrou mesmo foi descobrir que a fonte no meio da praça aos pés da estação do bondinho do Pão de Açúcar estava ligada, jorrando água, iluminada. Frequento a região desde criança e é a primeira vez em 40 anos que vejo a fonte funcionando. Ela compunha um quadro tão bonito que não eram poucos os turistas acampados à sua volta, tomando chimarrão ou se deixando fotografar naquele cenário lamentavelmente raro na nossa bela cidade. Sim, porque se tem uma coisa na qual não somos pródigos aqui no Rio são as fontes. Enjoados de plantão sempre podem lembrar o risco permanente de que se tornem criadouro para larvas do mosquito da dengue. No entanto, acho que vale a pena tentar driblar o inconveniente, ou com algum produto químico na água, ou mesmo mantendo as fontes sempre em operação. Parece que a água em movimento impede que as larvas se desenvolvam.

Não precisamos nos transformar numa Poços de Caldas. Só não vejo mal nenhum em ficarmos mais parecidinhos com as charmosas cidades que apreciam um esguicho performático.