Honestidade se movimenta em todo lugar

Só vou ter sossego depois que deixar registrada aqui, para mais alguém, mas, principalmente, para mim mesma, uma situação que me aconteceu ontem, no metrô, e foi comovente, para dizer o mínimo…

Eu estava voltando de Botafogo, onde fui pela, talvez, vigésima vez colocar um aparelho para exame do coração, o Holter de 24h, meu velho conhecido. Como ainda passava pouco das 16h, voltei como fui, sentada, o que se pode considerar um pequeno milagre.

Quase chegando na estação Central, vejo um homem no chão, pedindo dinheiro. Os vagões estão sempre transportando pessoas que abordam os passageiros em busca de algum trocado e nos contam retalhos de suas histórias de vida, mas pouca gente mostra alguma empatia. Geralmente, os músicos que se apresentam, também clandestinamente, são mais bem gratificados.

Não entendi direito o que ele falou. Só a parte em que contou que teve uma doença na infância, mas acho que não foi poliomielite, porque faltavam partes dos seus pés e ele, claramente, não conseguiria ficar de pé. Em vez disso, se deslocava relativamente rápido, usando braços e pernas dobrados, como se fosse algum tipo de bichinho ao qual faltassem metade das patas.

Olhei para ele, mostrei com meus olhos que ia ajudá-lo, porque as máscaras ainda andam reduzindo muito nossa expressão facial e vocal. Ele estava bem perto da porta e, enquanto se aproximava de mim, balbuciou pra si mesmo que era ali que tinha que descer. Eu, que nunca trago dinheiro comigo, peguei da bolsinha a primeira nota que vi pela frente. Sabia que era a mais alta que eu tinha. Passei rápido para a mão dele, ainda dobrada, e ele saltou.

Não demorou três segundos e ouvi ele lá de fora, me perguntando: “Senhora, senhora, a senhora me deu uma nota de 20, é isso mesmo?” Meus olhos sorriram para a honestidade dele e minha cabeça abanou que sim. Ele agradeceu novamente. Mas era eu quem devia ter agradecido por ele ter se preocupado comigo, pensando que, talvez, eu tivesse me equivocado e que depois aquele dinheiro fosse me fazer falta. Talvez ele nunca tenha recebido antes uma nota de vinte. Espero que tenha sido a primeira de muitas.

Uma mulher, sentada na fileira à minha frente, juntou as mãos num gesto de paz para me agradecer. Acenei para ela com mais um movimento de cabeça. E pensei: não sei o que fez esse moço nas encarnações anteriores para agora viver dessa maneira. Mas sei que Deus está assistindo e vendo que ele está no caminho certo de regeneração.

Profetiza de plantão

Foi com um certo deslumbramento, um certo medo, uma certa distância de quem não vai ver tudo aquilo no futuro que assisti, ontem, um tanto abismada, à matéria do Jornal Nacional que tratava do leilão das faixas de frequência do 5G no Brasil. Sei nada de tecnologia e vocês podem ler os aspectos técnicos em infinitas páginas na internet, inclusive no G1, como já anunciado na matéria. Fiquei sofrendo mesmo foi com as perspectivas das máquinas que, com a bênção da inteligência humana, vão exterminar larga faixa numérica da nossa espécie.

Abro aqui um parêntese para dizer, inclusive, que já comecei a questionar se ainda dá para usar a expressão espécie humana ou se já alcançamos alguma faixa divisora da evolução que esteja separando o homo sapiens do outro grupo que eu não sei como se chamaria sem ser politicamente incorreta. Morro de medo da execração pública das fogueiras da Inquisição digital. Mas pensem se ainda dá para juntar na mesma cesta os cérebros bem sucedidos cientifica e financeiramente e os demais, que sobrevivem em quantidade maciça em condições de semianimalidade?

O especialista dizia que, com a internet das coisas, a ser instalada nas árvores, será possível saber à distância os níveis de poluição, irrigação e sei lá mais o que de cada uma delas. E eu aqui pensando no sistemático furto de cabos de internet (eles têm cobre e o povo corta dos postes para vender pros ferro-velhos) que deixa bairros inteiros do Rio de Janeiro sem serviço de internet, pensando no roubo de cabos da rede ferroviária que deixam milhares de passageiros sem o trem que os levaria ao trabalho dezenas de vezes no mesmo mês, na mesma cidade, pelo mesmo motivo.

Outro especialista contando tudo que vai dar para fazer no agronegócio para controlar e maximizar a produção de alimentos e eu daqui lembrando a legião dos famintos que vejo na tela da tv, na calçada do prédio, dentro do metrô, via satélite do outro lado do mundo, e me perguntando para onde irão, que fim levarão essas multidões, porque a tecnologia é sim linda, é sim maravilhosa, é sim motivo de orgulho da nossa espécie, não fosse pelo mero detalhe que ela não contempla a maioria que jamais terá chance de entrar no baile. Pior, será banida para os confins da terraplana tão logo este mundo novo vier para ficar.

Estou velha, prestes a entrar oficialmente na terceira idade, me beneficio profissionalmente do 4G e agradeço a Deus todos os dias por isso. Mas não esperem que seja eu a dar a notícia aos que furtam os cabos de internet, se os chips do 5G vão ter ou não valor comercial, vão servir ou não para matar a fome. Meu estômago embrulhado não me permitiria isso.