Imprensa repetitiva

Sábado passado foi uma matéria sobre o Reynaldo Gianecchini no caderno Ela, de O Globo. No domingo, a segunda coluna de Adriana Calcanhotto, que agora escreve para o Segundo Caderno do mesmo jornal. Em comum, a crítica contra o trabalho da imprensa, que acaba fazendo sempre mais do mesmo. No primeiro caso, um box de Guilherme Fiuza mencionava a expressão “enésima vez” para falar de uma pergunta sempre repetida pelos repórteres nas entrevistas com o ator, a propósito do lançamento de sua biografia, escrita pelo jornalista. Já Adriana comentava que, na cobertura do lançamento de um dado trabalho, os jornalistas já estão perguntando quando sai o próximo. Não admira que a gente leia, ouça e veja sempre as mesmas informações. O medo da dissonância está mediocrizando a imprensa.

Jornada: no fim ou no início?

Enquanto a grande imprensa repercute o que foi a vinda do Papa Francisco ao Rio de Janeiro para a Jornada Mundial da Juventude eu fico me perguntando: e agora? Porque não é possível que os 3 milhões que lotaram a praia de Copacabana, sendo que 2 milhões vindos de fora da cidade, não se tornem multiplicadores de tudo o que foi dito e discutido no evento. Quero dizer que, de alguma maneira, minha expectativa é de que estes jovens, no mínimo, se comportem de acordo com uma postura mais ética da igreja, além de que cobrem sistematicamente dos seus pares, em casa, na universidade, no trabalho, na política, na sociedade, enfim, um mundo melhor.

Só com o tempo poderemos saber o grau de profundidade com que a JMJ influenciou uma parte desta geração. Perdi a conta em quantos bilhões estamos atualmente sobre o planeta – 6? – mas, que seja. Só tenho medo de que, num comportamento tipicamente de jovens, toda essa jornada religiosa seja, em breve, substituída pelo próximo interesse, e não digo descartada, mas pelo menos soterrada por algumas camadas de atrativos digitais, ou de culto a alguma celebridade do momento, e mesmo da luta mundana pela sobrevivência.

Discernimento

Um dos livros que estou lendo, no momento são apenas dois, simultaneamente, me chamou sabiamente a atenção para uma distinção que não é apenas vocabular, mas de discernimento. Pra mim, faz muito sentido. É a diferença entre personalidade e caráter. Vamos ver se me faço entender.

Personalidade é a maneira como nos colocamos – tímidos, barulhentos, engraçados, resmunguentos. Caráter é o que dá sustentação a ela, o que está por trás, a questão de fundo – egoísta, avarento, bondoso, compassivo.

Toda vez que nos relacionamos com alguém, e eu não estou falando só do aspecto amoroso, mas de qualquer pedido de informação para chegar a uma rua, por exemplo, mostramos ao outro nossa personalidade, enquanto tentamos desesperadamente esconder nosso caráter. Todo mundo faz isso porque uma coisa e outra podem, inclusive, ser antagônicas. E nossa vulnerabilidade está justamente no caráter. Se o outro descobre quem somos, de verdade, estamos à sua mercê. Assim, criamos mecanismos de autodefesa. Um homem pode posar de malvado, por exemplo, bradando aos quatro ventos que odeia crianças, velhos e cachorros, e agir como o Frei Galvão (vamos prestigiar os santos brasileiros!) quando se trata de ajudar um desconhecido diante de uma emergência, percebem?

Tá bom, pode até ser, mas o que eu faço com isso? De que serve saber que personalidade e caráter não são a mesma coisa, e que um é mais definitivo que a outra? Simples. Vai ficar mais fácil viver se, apesar da aparente expressão do outro, você tentar enxergar quem ele realmente é. Vai se decepcionar menos ou mesmo não deixar escapar gente valiosa com quem, de cara, nem simpatizou. Observe os gestos, não as palavras. Concentre sua atenção no olhar, e não no sorriso, que pode ser falso e enganoso, enquanto os olhos nunca mentem. Mas, principalmente, tente usar a fórmula no uso interno, como aquela cápsula que você bebe com água ou uma colherada de xarope. E, depois, gaste aquela grana que usava para pagar o analista para comprar uma roupa bonita ou um bom par de sapatos! Você vai ter feito por merecer.

Filme novo do Almodóvar

Os amantes passageiros, que está em cartaz aqui no Rio, pode parecer uma comédia leve, mas pra mim não foi. Calma que eu não vou contar a história, só o enredo, para vocês conseguirem me entender.

Um grupo de aproximadamente 10 pessoas está confinado numa situação de risco – no caso, o principal se passa entre a classe executiva e o cockpit de um avião. Em sua maioria, numa olhada de relance, são espécimes do pior que existe em termos de ser humano. Há uma cafetina, um banqueiro golpista, um assassino de aluguel, um traficante de drogas, um ator volúvel e uma vidente. Há também cinco “homens trabalhando” – três no serviço de bordo, o piloto e o co-piloto, todos às voltas com sua opção de gênero. Mas cada um lida do seu jeito com o assunto. Tem a bichinha devota que não come ninguém. Tem o co-piloto que reluta em assumir sua bissexualidade. Tem o casal piloto + o chefe dos comissários (esqueci como se chama a função… e fiz curso de aeromoça, mas tem muuuuito tempo…) Tudo temperado a muito álcool, droga e performance no melhor estilo cabaré gay. A doçura das três “comissárias” já vale o filme (e pensar que já houve tempo em que os homossexuais tinham que ser “machos” como Madame Satã para sobreviver, que bom que isso acabou!).

Cada personagem tem lá o seu nó na vida. Temendo o pior, que seria a morte num acidente aéreo, começam a desatar os problemas e… não posso contar o fim. Mas eu não vi ali comédia não. Há diferença entre forma e conteúdo. Almodovár nos premia com uma história que é essencialmente otimista. Mesmo o pior dos dramas tem jeito. É isso que, de uma forma engraçada, quase inocente, de tão honesta, os personagens nos oferecem, dentro da sua imperfeição. A gente se apaixona por cada um e, mais ainda, pelo seu criador.

E ainda resta a metáfora: não seríamos todos nós, sempre em busca da realização romântica, no fim apenas amantes passageiros uns dos outros? Fica a pergunta no ar.

Nosso frio

Mudanças não necessariamente bruscas, mas com larga variação de temperatura, costumam trazer consigo alterações de comportamento. Estamos desde ontem no meio de uma friaca danada causada por uma massa polar que veio da Argentina (teria ela acompanhado a comitiva do Papa Francisco?) e, por todo canto, lemos manchetes que falam dos recordes em dez anos ou mais.

Vou dizer apenas do que tenho visto. Aqui por onde circulo, juro que tem menos gente na rua. Bem menos gente. Carioca não gosta de frio. Gosta menos ainda de guarda-chuva. Então, não nos peçam pra sair debaixo daquele simulacro de chuva que mais lembra esguicho enguiçado de jardim. Fica vetado o uso de praxe do chinelo de dedo. O Rio até parece outra cidade.

E a gente, que adora uma rua, começa a descobrir os encantos de emburacar em casa. Algo contrariado, diga-se de passagem. Parece que as pessoas falam menos. Ontem à noite, o silêncio era tanto que comecei a imaginar que a frost free estava com defeito porque, em quatro anos de uso, eu nunca tinha ouvido o ruído do motor da minha própria geladeira.

Quem dispuser de tempo e paciência pode aproveitar o clima ameno e o feriado papal, que a partir de amanhã nos deixa quatro dias livres, para reunir os amigos em torno de um fondue ou outro evento gastronômico próprio para dias frios.  Só não vale ficar resmungando porque não tem sol nem praia. Esse inverno de agora não vai durar um verão.

The day the music died

Lembro quando ela começou. O ano era 1989 e eu fiquei um tanto eufórica por saber que, finalmente, a MTV poderia ser vista no Brasil. Adorava assistir aos videoclipes das bandas e cantores daqui e de fora, o estilo solto dos VJs e a edição acelerada das imagens. Não tem muito tempo, revi vinhetas excepcionais no Oi Futuro do Flamengo, numa exposição inteiramente dedicada à emissora que era, inclusive, dividida em grupos temáticos, como terror, tamanha a profusão de material.

Há meses acompanho pelo noticiário o fim da MTV no país. Parece que estou dando adeus a uma parte da minha juventude. Devo estar. Acredito que ainda venham a pesquisar – e muito – o tanto de influência que ela tem tido sobre pelo menos duas gerações, no que respeita a linguagem audiovisual. Mas acho que é até compreensível o fenômeno de extinção da emissora. A começar pela alegação lógica da concorrência com as mídias digitais e seus confortáveis canais de acesso, como o YouTube, por exemplo, que customizam a programação ao gosto exclusivo do freguês.

Mais do que isso, creio que a MTV era tão única que acabou criando uma espécie de síndrome em quem trabalhava lá. Uma egotrip que a fez meio que perder contato com o mundo exterior, como se bastasse à MTV apenas ela mesma, um ponto final num diálogo que tinha toda a oportunidade do mundo de ser, pela primeira vez, genuinamente global, apesar das MTVs locais espalhadas pelo planetinha. Imagino o climão que deve estar por lá.

Agora, verdade seja dita: faz tempo que parei de assistir à MTV. Chegou a um ponto que era muito mais atitude do que música. Dificilmente se conseguia assistir a um videoclipe até o fim. Cenas de estúdio eram truncadas por apresentadores que falavam um por cima do outro e conseguiam irritar o telespectador lentamente, como se ele estivesse não diante de comunicadores, mas de gente mal educada no boteco mais próximo. Uma pena. Acho que tão cedo não vai aparecer outro produto de comunicação tão revolucionário quanto foi a MTV.

Sui generis

Entrevistei um sujeito por telefone semana passada e combinamos de eu passar no escritório dele para pegar um material na quinta-feira que vem. No entanto, como o Papa Francisco chega hoje e passa a semana toda com a gente, tudo ficou fora do lugar e não haverá expediente. Assim, liguei pra ele na sexta passada e remarcamos pra hoje, segunda-feira, às 11h. Quando cheguei lá, no Centro da cidade, e ninguém atendeu à campainha, imaginei o pior. Por sorte estava com o telefone na bolsa e liguei.

Meu “amigo” perguntou se eu não tinha visto o email dele, desmarcando o encontro. Aparentemente a causa foi novamente o papa, que ainda nem botou o pé aqui e já está acumulando culpas e mais culpas, porque o entrevistado tinha tentado agendar nossa conversa com mais algumas pessoas (eu nem sabia), e elas devem ter desistido por falta de lugar pra estacionar, segundo me explicou, sei lá direito. O certo é que perdi a viagem. Quando cheguei ao trabalho, vi que havia recebido três emails diferentes, um inclusive enviado – felizmente, com cópia – para um email que eu nem tenho. Tudo aconteceu entre 21h e meia-noite, como é que eu não vi hoje de manhã antes de sair de casa? Tenho quase certeza de que tinha dado também meus números de telefone, mas isso é irrelevante. Certo é que tive que cortar algumas informações bacanas do texto, que já estava pronto, porque não houve oportunidade de completar alguns dados, vagamente mencionados na primeira conversa. Pena, porque tinha tudo pra dar uma força pros caras. Mas quando a pessoa é enrolada, a gente não deve ser condescendente. Pelo contrário. Se não, ela acaba logo adiante deixando furo de novo.

Tudo virado

Faz mais de um ano que eu estou devendo fotos do meu apê reformado para colocar no QS. Nunca tirei. Mas se eu fizesse isso hoje, vocês iam pensar que eu estou preparando a locação para continuar aquela campanha da TV Sky em que a Gisele Bündchen mora numa casa de monstros: tá tudo fora do lugar. Não tenho coragem de mostrar essas imagens a ninguém, mas posso fazer uma breve descrição e, assim, deixar todo mundo com a imaginação assanhada, que tal?

Comecemos pela sala. Tá cheia de papelão e papel picado, mas não me culpem, porque é obra exclusiva do Bolt. Meu cão adora brincar com os canudos vazios das toalhas de papel e, de um tempo pra cá, passou também a me pedir qualquer notinha de supermercado. Como tudo foi destroçado hoje cedo e eu tive que sair correndo, não deu tempo de varrer. Na cozinha, deixei louça suja na pia. O banheiro de empregada está com uma pilha de roupa pra lavar e, no piso, há bastante sujeira, que sai pelo ralo toda vez que coloco a máquina de lavar pra funcionar – isso foi uma herança maldita da reforma, que antes nunca acontecia.

Adiante. No quarto de empregada, a escrivaninha tem papéis diversos amontoados que vão demandar um certo tempo para sortimento, análise, arquivo, pagamento ou lixeira, dependendo do caso. No meu quarto, excepcionalmente, não fiz a cama, de forma que Boltolino vai se espalhar dormindo lá a tarde inteira, eu conheço o meu cachorro e não tem nada que ele aprecie mais do que um edredom desarrumado e algumas almofadas fofinhas onde descansar a cabeça. Na poltrona logo ao lado, larguei uma roupa pra passar porque, dentro do armário embutido, aquela que se acumulava, também esperando pelo ferro, não deixava caber mais ninguém.

Pra piorar o quadro, esse é o fim de semana da faxina. De maneira que tem muito “tirrismo” pelo chão e poeira pra todo lado. Tirrismo é um termo inventado pelo meu ex-marido que descreve aquela terrinha que a gente traz pra casa na sola do sapato. Não sei por onde começar. Ainda vou ter que dar o banho no cachorro e molhar as plantas, que já estão me olhando meio de lado. Praga de planta pega na gente?

Compra à distância

Faz umas poucas semanas que comprei dois livros pela internet. Um, do Moacyr Scliar, delicioso de ler. Outro, de um autor estrangeiro, nem tanto. Os dois tratam do mesmo assunto. Por mais que você leia a sinopse que as livrarias online publicam, nada se compara a pegar o livro e folhear. Vários motivos podem fazer você se desinteressar de um livro, como foi neste caso. Tradução mal feita, diagramação ruim, do tipo que você não sente vontade de ler, e eu não vou. Pena, pena, pena. Tem coisas que só rolam presencialmente.