Mais sobre a pandemia

Sem dúvida estamos tendo uma verdadeira revolução no que diz respeito ao uso do tempo. Uma ótima piada diz que, se antes sonhávamos em fazer trabalho remoto de casa, hoje descobrimos que, na verdade, apenas passamos a dormir no emprego, tamanha a desproporção das horas investidas entre uma e outra coisa. Sim, empresas estão abusando, e todo o aparato tecnológico se presta a colaborar com essa apropriação, porque nos deixa acessíveis e, portanto, disponíveis…

Por outro lado, quem pode trabalhar de casa também descobre que é bacana não perder tempo para se deslocar. E quem não tem necessariamente um chefe pode se descobrir até com tempo sobrando. Mas, o que fazer com ele? Nem todo mundo consegue pensar em alguma atividade produtiva. Eu arriscaria dizer que esse é o motivo que fez disparar o número de assinaturas de canais de streaming no período da pandemia.

Tempo pode ser um aliado ou um inimigo. Depende do uso que você faz dele. E quem não sabe o que fazer corre o risco de ficar deprimido, até porque já está isolado. Ou, pior, acompanhado por gente de quem não gostaria.

Minha experiência particular tem sido agradável, na medida que passei a imprimir meu próprio ritmo naquilo que faço. Minhas aulas têm horário marcado, tento deixar um intervalo salutar entre uma e outra e não sobrecarregar nenhum dia da semana, já que trabalho de segunda a sábado. Esse meu ritmo é mais lento, o que tem me deixado mais serena e, por isso mesmo, mais feliz.

Mudanças

Uma parte de mim intencionalmente adiou a tarefa de escrever sobre esse marco divisório chamado pandemia de Covid-19. Deixo os comentários científicos para quem é do ramo. Mesmo sofrendo a dor do outro, como fazem as pessoas solidárias, sinto que a questão vai muito além dos aspectos político, sanitário, econômico, relacional. Ainda vai aparecer alguém propondo que mudemos o calendário de 2021 para ano 1 PP (pós-pandemia).

Vou tentar escrever, objetivamente, o que mudou, em linhas gerais.

  1. Pessoas já tinham medo de outras pessoas que parecessem perigosas – assaltantes, terroristas, sei lá. Mas, agora, todo mundo tem medo de todo mundo porque todo mundo virou um perigo para todo mundo. Não é o ar poluído, o mar cheio de lixo nem o alimento com agrotóxico que pode matar a gente em questão de dias: é um vírus que apenas outra pessoa pode nos passar.
  2. Passamos a nos esconder em casa, nós que temos casa, porque não foram poucas as pessoas que perderam o teto e foram parar na rua. Perderam emprego, sustento, abrigo. Estão com medo e precisam de ajuda daqueles que não perderam nada disso. Felizmente a sociedade civil brasileira tem se organizado para ajudar, mas ainda estamos muito no início. Ações solidárias não podem ser esporádicas, elas têm que entrar na ordem do dia das pessoas de bem, cotidianamente. Antes de dormir, precisamos perguntar: a quem foi que consegui ajudar no dia de hoje?
  3. Isolamento e perda de contato físico entre pessoas que se gostavam ou se amavam é uma necessidade. Nem todo mundo está aderindo a isso. Há quem não abra mão, se arriscando a adoecer ou contaminar a família. Ficar sem ver amigos e família por muito tempo, deixar de abraçar as pessoas, é realmente um processo dolorido. Hoje, depois de tantos meses, me peguei pela primeira vez pensando no abraço demorado que vou dar nas pessoas queridas, se é que isso vai chegar a acontecer. Porque pode ser que nada disso dê certo, que a vacina não seja tão rápida quanto o poder de adaptação do vírus, e a gente tenha que passar a conviver com ele à solta até o fim dos tempos. Sim, isso também é possível.
  4. Consegui me adaptar bem porque há muitos anos vivo sozinha. Com a morte do cachorro, parei de sair de casa todos os dias, embora não tenha me isolado – é que consigo dar minhas aulas de alemão 100% pela internet. Vou a farmácia, ao super, a médico, a casa do meu marido – aqui pertinho – e graças a ele e a alguns alunos e amigos queridos recebo minha porção diária de afeto. A mesma que anda faltando a tantas pessoas que começaram a definhar de tristeza e solidão. Contra isso não há campanha que ajude.
  5. Acredito que todos estejamos subestimando o impacto da pandemia sobre a sociedade planetária neste momento. Os danos se espraiarão por décadas. O estrago atinge os corpos, as mentes e os corações. Há quem sinta falta daquilo a que nunca deu valor: aconchego, calor humano, simpatia. Eu me esforço para expressar otimismo e empatia às pessoas indistintamente por meio do olhar e de uma boa palavra. Nunca precisamos tanto disso.
  6. Nas aulas de história tremíamos assustados ouvindo relatos tenebrosos sobre as guerras, especialmente as mundiais, e pasmávamos ao imaginar que alguém conseguiu sobreviver àquele horror. Só que era mais simples quando o inimigo tinha nome, tinha rosto, agora não tem. E não estou falando só do vírus, ele só materializou a falta de proximidade que nós tínhamos estabelecido antes.

Eu me comprometo a voltar aqui e deixar um relato mais positivo, tão pronto eu consiga acreditar nisso. Mas vai precisar acontecer alguma coisa bem forte no sentido contrário. Se estou com medo? triste? aborrecida? descrente? Nada disso. Sinto uma paz apocalíptica de quem tem pouco a perder. Sempre precisei de bem pouco – alguma fé, algum amor, algum trabalho, algum conforto e algum raciocínio – que, com as bênçãos de Deus, nunca me faltaram. Sei que estamos no caminho certo para ajustes fundamentais. Pelo menos é o que me dizem essas tremendas dificuldades.

Agente Duplo

Ainda convalescendo de uma virose maluca que me pegou no domingo – tenho a mesma doença uma noite por ano, todo ano, há uns cinco anos… – acabei assistindo a um filme chileno chamado Agente Duplo. O motivo que me fez optar, depois de ver a chamada algumas vezes na TV aberta, foi o fato de o ator principal ser muito parecido com o escritor Thomas Mann, que eu adoro. Eu não tinha entendido muito a proposta, mas depois fez sentido.

Embora eles não se denominem como docudrama, mas sim como documentário, fica claro que houve uma mistura de encenação com registro real. O mais bacana é que a gente não consegue delimitar onde começa uma e outra coisa. Se aquele velhinho de 84 anos, que ainda por cima tem o nome do meu pai, Sérgio, é realmente aquela fofurice toda, quero roubar ele pra mim!!!

Depois de ficar viúvo, Sérgio responde a um anúncio de jornal (impresso, obviamente) que procura um homem entre 80 e 90 anos. Ele se candidata, assim como outros senhores, para fugir da paradeira da rotina. Tem que se infiltrar num asilo para reunir provas caso uma senhora, cuja filha contratou um detetive, esteja sendo maltratada, como a contratante desconfia.

Neandertais que só consideram a possibilidade de assistir a filmes cheios de explosões e perseguições de carros, goelas cortadas e tudo o que compõe o gênero (gênero?) de ação não aguentariam assistir cinco minutos. Almas mais espiritualizadas e/ou avançadas em anos, como eu (estou falando da idade, não sei em que degrau da escada evolutiva me encontro) vão se identificar com a perspectiva da entrada na terceira idade e a pergunta que vem dos tempos remotos: haverá uma quarta idade? ainda que no outro mundo?? será???

O recado do filme é para os menos idosos cuidarem dos mais idosos. E eu me vi transportada para asilos reais, onde encontrei pessoas próximas, e conheci outras vovós e vovôs, e entendi perfeitamente do que eles ali estavam falando. A mim ocorreram pensamentos díspares, do tipo: acho que vou me mudar para o Chile! Mesmo não tendo tido filhos, será que ainda vão me chamar de vovó??Será que consigo dar um jeito de envelhecer sem ficar inválida, física, emocional e mentalmente??? E se eu ficar apenas fisicamente ruim, mas com a cabeça boa, não será pior????

Se você, pelo tema, concluiu que Agente Duplo é um filme triste, não é não! As cenas em que o detetive ensina Sérgio a usar os recursos midiáticos do celular são muito engraçadas.

Filhos – Parte I

Quando eu ainda imaginava que poderia ter filhos, pensava que uma boa forma de assegurar para eles maior chance de sobrevivência profissional seria fazendo com que aprendessem três coisas, minimamente bem: a praticar um esporte, a tocar um instrumento e a falar uma língua estrangeira. Algumas escolas, inclusive públicas, compartilham desta abordagem. Porque, em caso de emergência, quando se tem alguma aptidão, fazer da atividade o ganha-pão pode ser uma saída.

Estou eu aqui, trabalhando como professora de alemão, para servir de exemplo. Obrigada por ter pago o curso, mãe!